Quase
todos nós estamos acostumados a ver o mundo como se sempre fosse da
forma que ele é hoje. O cristianismo atual, por exemplo, condena a
astrologia quando, na verdade, no livro do Apocalipse, que é um livro
cristão, há inúmeros símbolos astrológicos. Olhe o trecho abaixo, por
exemplo:
À
frente do trono, havia como que um mar vítreo, semelhante ao cristal.
No meio do trono" e ao seu redor estavam quatro Seres vivos, cheios de
olhos pela frente e por trás. O primeiro Ser vivo é semelhante a um
leão; o segundo Ser vivo, a um touro; o terceiro tem a face como de
homem; o quarto Ser vivo é semelhante a uma águia em vôo. Os quatro
Seres vivos têm cada um seis asas e são cheios de olhos ao redor e por
dentro. E, dia e noite sem parar, proclamam: "Santo, Santo, Santo,
Senhor, Deus todo-poderoso, 'Aquele-que-era, Aquele-que-é e
Aquele-que-vem'".
Bíblia de Jerusalém (Apocalipse, 4, 6-8)
Neste
trecho há referência a quatro seres vivos: o leão (astrologicamente
ligado ao elemento Fogo), o touro (ligado ao elemento Terra), o homem
(um pouco mais difícil de interpretar, que é ligado à emoção e ao
sentimento, relacionando-se ambos com o elemento Água) e a águia
(claramente o elemento Ar). Reforçando ainda mais o enfoque astrológico,
que diz respeito ao tempo, existem três títulos de Deus: Aquele-que-era
(passado), Aquele-que-é (presente) e Aquele-que-vem (futuro).
Também no Apocalipse há uma referência bem clara aos signos:
Vi
quando o Cordeiro abriu o primeiro dos sete selos, e ouvi o primeiro
dos quatro Seres vivos dizer como o estrondo dum trovão: "Vem!" Vi então
aparecer um cavalo branco, cujo montador tinha um arco. Deram-lhe uma
coroa e ele partiu, vencedor e para vencer ainda.
Quando
abriu o segundo selo, ouvi o segundo Ser vivo dizer: "Vem!" Apareceu
então um outro cavalo, vermelho, e ao seu montador foi concedido o poder
de tirar a paz da terra, para que os homens se matassem entre si.
Entregaram-lhe também uma grande espada.
Quando
abriu o terceiro selo, ouvi o terceiro Ser vivo dizer: "Vem!" Eis que
apareceu um cavalo negro, cujo montador tinha na mão uma balança. Ouvi
então uma voz, vinda do meio dos quatro Seres vivos, que dizia: "Um
litro de trigo por um denário e três litros de cevada
por um denário! Quanto ao óleo e ao vinho, não causes prejuízo".
Quando
abriu o quarto selo, ouvi a voz do quarto Ser vivo que dizia: "Vem!" Vi
aparecer um cavalo esverdeado. Seu montador chamava-se "a Morte" e o
Hades o acompanhava.
Bíblia de Jerusalém (Apocalipse, 6, 1-8)
O
montador com arco é o claramente o arqueiro de Sagitário (elemento
Fogo). O montador que trazia uma balança também é simples de decifrar:
Libra (o elemento Ar). O quarto selo se relaciona com o cavaleiro que
traz a morte (é Escorpião com seu veneno, do elemento Água).
Resta
um a interpretar, o montador ligado ao segundo selo, que parece estar
um pouco mais oculto. Ele vem em um cavalo vermelho, portando uma
espada, com o poder de tirar a paz na Terra. Vamos interpretar por
exclusão: já encontramos os elementos Fogo, Ar e Água, e portanto que
resta é Terra.
Vamos,
também por exclusão, encontrar o signo correspondente. Já vimos
Sagitário (o nono signo), Libra (o sétimo signo) e Escorpião (o oitavo
signo). Minha melhor aposta é no signo de Capricórnio (o décimo signo),
que diz respeito a sacrifícios e esforços concretos (possivelmente
simbolizando a força do metal na espada), em busca de um ideal, estando
relacionado ao elemento Terra.
Ou
seja, uma das chaves para a interpretação do Apocalipse é a astrologia,
e a astrologia está sendo condenada atualmente como, no mínimo, um
misticismo infundado, principalmente dentro do cristianismo. A chave
para a interpretação deste livro cristão é, cada vez mais,
desestimulada. Mas será que, de fato, a astrologia é condenável? Ou será
que é de interesse de alguns poucos que não se possua conhecimento, nem
memória, e assim possamos ser manipulados mais facilmente? Mas o ponto
neste post não é a astrologia em si. Trata-se na realidade da reflexão
de como em uma época algo é considerado bom e até mesmo essencial, e em
outra época torna-se condenável, malígno. Os conceitos mudam e desmudam
de acordo com as conveniências de cada época. Inversões nos são
apresentadas sem que as questionemos.
Uma
das mudanças que a maior parte das pessoas nem sequer suspeita é que a
divindade nem sempre foi um ser masculino, como parece tão natural
acreditar hoje em dia. Na pré-história, principalmente porque as pessoas
não sabiam explicar o mistério do nascimento (o porquê do ser humano
nascer através das mulheres), as mulheres eram consideradas com assombro
e reverência. Isso, principalmente nas sociedades agrícolas, que não se
caracterizavam tanto pela caça, pois a caça era uma atividade
preponderantemente masculina.
Levou
muito tempo para que os homens percebessem que tinham participação na
reprodução humana (os homens não sabiam que eram pais), o que ocorreu
quase no final da pré-história (4000 a.C.), e quando o perceberam,
empenharam-se em acabar por completo com a reverência às mulheres. No
conceito que se criou então, o homem (apenas o homem) tinha a essência
do novo ser em sua semente (o sêmen) e à mulher cabia ser fértil (tal
como a terra deve ser fértil quando se planta nela uma semente). A
posição política, religiosa, social e familiar das mulheres passou a ser
secundária, inferior. E a divindade, que até então era Deusa nas
sociedades agrícolas da pré-história, tornou-se Deus. Sim, foi uma
mudança de sexo divina.
Quem começou a mudar esta desigualdade absurda foi um padre, Gregor Mendel (http://pt.wikipedia.org/wiki/Mendel)
quando, no século XIX, fundou as bases da genética através de suas
experiências com espécies vegetais, descobrindo que a informação
genética de um novo ser é a combinação dos genes de ambos os gêneros
(masculino e feminino). Dessa descoberta o conhecimento científico se
transformou, bem como também o papel da mulher na sociedade humana, cada
vez mais adquirindo condições de igualdade em relação ao homem. Porém,
este equilíbrio está longe ainda de se tornar perfeito. Em muitas
sociedades, as mulheres permanecem desvalorizadas e discriminadas. Às
vezes também, buscando o equilíbrio, criam-se novos desequilíbrios.
Enfim, estamos aprendendo a coexistir.
É
importante desconfiarmos de toda forma de julgamento com base em
valores absolutos que nos são passados, pois a verdade absoluta que nos
oferecem pode ser apenas uma tentativa de manipulação, um véu sobre
nossos olhos.
Um blog que pretende investigar as possibilidades do ser humano. Cronologicamente, estou contando nele a história de meu próprio caminho na magia.
domingo, 30 de setembro de 2012
domingo, 23 de setembro de 2012
A Bíblia e a Experiência Mística
Este
post pretende ser uma introdução da relação da Bíblia à experiência
mística nas mais diversas tradições. Há muito que se possa encontrar na
Bíblia para dar apoio à busca da sabedoria e do entendimento. Trata-se
da história de um povo escrita por diversas pessoas, mostrando suas
crenças, emoções, conflitos, leis, decisões políticas, poesia, críticas,
enfim..., um depoimento. Seria preconceituoso afirmar que não há valor
na Bíblia apenas porque muitos a utilizam mal, arraigando-se a conceitos
que precisam ser questionados e comumente não o são. Ao citar a Bíblia
aqui, neste post e em outros que eu o fizer, eu não estou assumindo de
forma alguma uma postura dogmática (o que seria totalmente contrário à
minha proposta). O que pretendo fazer de fato é não ter discriminação em
relação à Bíblia, da mesma forma que não pretendo ter em relação às
outras fontes, quando for útil referenciá-las. Eu acredito que a forma
mais benígna de se utilizar a Bíblia, assim como qualquer outra fonte,
seja continuar fazendo perguntas sinceras, e jamais aceitar respostas
sem que as tenhamos verificado e chegado por nossos próprios meios às
conclusões do que aceitamos ou não.
Especialmente no caso de Jesus, tratam-se de impressões que outras pessoas tiveram dele, uma vez que ele jamais escreveu sobre si mesmo. O que é uma pena porque as pessoas sempre percebem os fatos a partir dos filtros de seus próprios entendimentos. Para fazer tudo mais difícil, muitos evangelhos foram tornados apócrifos e destruídos. Ou seja, o filtro das impressões sobre Jesus tornou-se ainda mais fechado.
A ideia que vamos explorar, relacionada à experiência mística (e que procuraremos associações bíblicas) diz respeito a dois tipos de mudança possíveis em relação às pessoas. Uma se refere às atitudes externas, e a outra é a mudança interior, ligada às crenças individuais. Normalmente é mais fácil mudarmos nossas atitudes do que nossas crenças, especialmente quando percebemos ser conveniente transformá-las em função de situações concretas, tentando obter melhores resultados da realidade ao nosso redor. Já as mudanças interiores, estas são mais difíceis porque dependem de conseguirmos nos desligarmos dos incessantes eventos externos que concorrem para tirar a atenção de nosso próprio ser.
Quanto mais somos estimulados externamente, menor a chance de realizarmos a pausa que é necessária para uma transformação interna. Faz sentido, para aqueles que buscam uma transformação espiritual, optar pelo isolamento, tal como muitos monges o fazem, assim como padres, freiras, e outros praticantes das mais diversas religiões (embora o isolamento não seja o único meio de fazê-lo). Por esse ponto de vista, o trecho bíblico abaixo adquire um significado especial:
Então Jesus disse aos seus discípulos: "Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus. E vos digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus".
Mateus (19, 23) - Bíblia de Jerusalém
Há um certo questionamento se trata-se de camelo ou corda (por uma questão de tradução), mas isto não é tão relevante a princípio. Essencialmente acredito que não haja algo errado em ser rico, a princípio. Não é essa a questão. Mas a transformação espiritual que é necessária justamente para começar o caminho é muito desfavorecida quando se é suscetível a uma ampla gama de estímulos.
De fato é, justamente com as pessoas que (intencionalmente ou não) passaram por privações, que a experiência mística ocorre mais frequentemente. Essa experiência é o contato com uma realidade que não é fisicamente aparente (transcendendo as relações físicas), embora essa realidade interaja e transforme os aspectos físicos sem que o percebamos. No que diz respeito a esta experiência, é difícil alguém se despojar ao ponto da mente entrar em repouso sem deixar-se perturbar, mas ainda assim isso pode ser feito, com uma grande dificuldade, pela parte das pessoas que se baseiam muito naquilo que possuem (ricas, conforme o termo bíblico). A Bíblia mesmo se refere a essa condição como uma dificuldade, não uma impossibilidade.
Mas qual exatamente é a importância de atingir este estado de repouso? É porque é aí (na percepção de si mesmo sem interferência do que é externo) que é criada a base para uma nova identidade, uma iniciação. Então segue um desenvolvimento interior e exterior que, com certeza, vai envolver também relações com o mundo físico, porém essa base inicial, esse renascer tem que ser realizado perfeitamente.
O trecho bíblico abaixo reforça ainda mais este aspecto da necessidade de ausência de estímulos (no caso, rejeição):
Disse-lhes então Jesus: "Nunca lestes nas Escrituras: 'A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; pelo Senhor foi feito isso e é maravilha aos nossos olhos'? Por isso vos afirmo que o Reino de Deus vos será tirado e confiado a um povo que produza seus frutos".
Mateus (21, 42-43) - Bíblia de Jerusalém
Ainda sobre a iniciação, há um trecho bíblico neste sentido:
Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um notável entre os judeus. À noite ele veio encontrar Jesus e lhe disse: "Rabi, sabemos que vens da parte de Deus
como um mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele". Jesus lhe respondeu: "Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer do alto não pode ver o Reino de Deus".
Disse-lhe Nicodemos: "Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer?"
Respondeu-lhe Jesus: "Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: deveis nascer do alto. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito".
Perguntou-lhe Nicodemos: "Como isso pode acontecer?"
Respondeu-lhe Jesus: "És o mestre de Israel e ignoras essas coisas? "Em verdade, em verdade, te digo: falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos, porém não acolheis o nosso testemunho. Se não credes quando vos falo das coisas da terra, como ireis crer quando vos falar das coisas do céu?
João (3, 1-12) - Bíblia de Jerusalém
É muito útil (como exercício para ajudar a renovar as próprias ideias) rever os trechos bíblicos citados neste post, dentro de seus contextos específicos, e procurar analisá-los, comparando-os com os conceitos que foram apresentados.
Especialmente no caso de Jesus, tratam-se de impressões que outras pessoas tiveram dele, uma vez que ele jamais escreveu sobre si mesmo. O que é uma pena porque as pessoas sempre percebem os fatos a partir dos filtros de seus próprios entendimentos. Para fazer tudo mais difícil, muitos evangelhos foram tornados apócrifos e destruídos. Ou seja, o filtro das impressões sobre Jesus tornou-se ainda mais fechado.
A ideia que vamos explorar, relacionada à experiência mística (e que procuraremos associações bíblicas) diz respeito a dois tipos de mudança possíveis em relação às pessoas. Uma se refere às atitudes externas, e a outra é a mudança interior, ligada às crenças individuais. Normalmente é mais fácil mudarmos nossas atitudes do que nossas crenças, especialmente quando percebemos ser conveniente transformá-las em função de situações concretas, tentando obter melhores resultados da realidade ao nosso redor. Já as mudanças interiores, estas são mais difíceis porque dependem de conseguirmos nos desligarmos dos incessantes eventos externos que concorrem para tirar a atenção de nosso próprio ser.
Quanto mais somos estimulados externamente, menor a chance de realizarmos a pausa que é necessária para uma transformação interna. Faz sentido, para aqueles que buscam uma transformação espiritual, optar pelo isolamento, tal como muitos monges o fazem, assim como padres, freiras, e outros praticantes das mais diversas religiões (embora o isolamento não seja o único meio de fazê-lo). Por esse ponto de vista, o trecho bíblico abaixo adquire um significado especial:
Então Jesus disse aos seus discípulos: "Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus. E vos digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus".
Mateus (19, 23) - Bíblia de Jerusalém
Há um certo questionamento se trata-se de camelo ou corda (por uma questão de tradução), mas isto não é tão relevante a princípio. Essencialmente acredito que não haja algo errado em ser rico, a princípio. Não é essa a questão. Mas a transformação espiritual que é necessária justamente para começar o caminho é muito desfavorecida quando se é suscetível a uma ampla gama de estímulos.
De fato é, justamente com as pessoas que (intencionalmente ou não) passaram por privações, que a experiência mística ocorre mais frequentemente. Essa experiência é o contato com uma realidade que não é fisicamente aparente (transcendendo as relações físicas), embora essa realidade interaja e transforme os aspectos físicos sem que o percebamos. No que diz respeito a esta experiência, é difícil alguém se despojar ao ponto da mente entrar em repouso sem deixar-se perturbar, mas ainda assim isso pode ser feito, com uma grande dificuldade, pela parte das pessoas que se baseiam muito naquilo que possuem (ricas, conforme o termo bíblico). A Bíblia mesmo se refere a essa condição como uma dificuldade, não uma impossibilidade.
Mas qual exatamente é a importância de atingir este estado de repouso? É porque é aí (na percepção de si mesmo sem interferência do que é externo) que é criada a base para uma nova identidade, uma iniciação. Então segue um desenvolvimento interior e exterior que, com certeza, vai envolver também relações com o mundo físico, porém essa base inicial, esse renascer tem que ser realizado perfeitamente.
O trecho bíblico abaixo reforça ainda mais este aspecto da necessidade de ausência de estímulos (no caso, rejeição):
Disse-lhes então Jesus: "Nunca lestes nas Escrituras: 'A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; pelo Senhor foi feito isso e é maravilha aos nossos olhos'? Por isso vos afirmo que o Reino de Deus vos será tirado e confiado a um povo que produza seus frutos".
Mateus (21, 42-43) - Bíblia de Jerusalém
Ainda sobre a iniciação, há um trecho bíblico neste sentido:
Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um notável entre os judeus. À noite ele veio encontrar Jesus e lhe disse: "Rabi, sabemos que vens da parte de Deus
como um mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele". Jesus lhe respondeu: "Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer do alto não pode ver o Reino de Deus".
Disse-lhe Nicodemos: "Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer?"
Respondeu-lhe Jesus: "Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: deveis nascer do alto. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito".
Perguntou-lhe Nicodemos: "Como isso pode acontecer?"
Respondeu-lhe Jesus: "És o mestre de Israel e ignoras essas coisas? "Em verdade, em verdade, te digo: falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos, porém não acolheis o nosso testemunho. Se não credes quando vos falo das coisas da terra, como ireis crer quando vos falar das coisas do céu?
João (3, 1-12) - Bíblia de Jerusalém
É muito útil (como exercício para ajudar a renovar as próprias ideias) rever os trechos bíblicos citados neste post, dentro de seus contextos específicos, e procurar analisá-los, comparando-os com os conceitos que foram apresentados.
domingo, 16 de setembro de 2012
Libertando a Si Mesmo
Se
há um primeiro princípio, que considero básico, é o de que cada um deve
ser livre para ser o que deseja ser. Isso mesmo, mas observe que,
quando eu digo “ser” é um limite pessoal, afinal “Eu sou” não é o mesmo
que “Eu tenho” ou “Eu faço”. É simplesmente “Eu sou”. É o domínio de si
mesmo, das próprias ideias, desejos e sentimentos. Esse deveria ser um
domínio inviolável, sobre o qual a coletividade não tem precedência pois
o que uma pessoa pensa, ou deixa de pensar, diz respeito somente a si
mesma. É claro que nas etapas iniciais da vida, enquanto somos crianças
dependentes, é útil uma certa orientação na forma de se pensar, sendo
esta válida quando se tem o objetivo de se estabelecer condições seguras
enquanto se desenvolve a maturidade. No entanto, estas condições devem
ser removidas gradualmente, para que se possa exercer cada vez mais
autoridade e responsabilidade sobre a própria vida.
Para alguns, a definição de autoridade sobre a própria vida soa estranha. Estamos acostumados a sermos responsáveis porém, em diversas situações da vida, esta responsabilidade não é acompanhada de autoridade equivalente. Ou seja, precisamos responder pelos nossos atos mas não temos liberdade para decidir que atos são esses. A causa disso é que existem diferenças de status, alheias a nós, que com o tempo passamos a considerar quase como que naturais, mas não são naturais. É o poder, por exemplo, da religião quando impõe regras e não garante a satisfação das necessidades individuais. Mas, é claro, isso não diz respeito à religião apenas, mas a todo tipo de instituição que procura coibir a ação das pessoas sem procurar satisfazê-las verdadeiramente. E hoje em dia são muitas instituições que assumem esta postura. O problema é que toda essa ação institucionalizada percebeu que é mais fácil controlar a ação das pessoas quando as pessoas se deixam controlar não só nas suas atitudes, na sua forma de agir, mas também na sua forma de pensar. Assim, para muitos, as instituições são indiscutíveis, como que portando o direito divino e natural de serem o que são, tornando-se parte destes indivíduos, infiltrando-se dentro deles, tornando-se uma falsa imagem, o superego agredindo o ego, distorcendo-o, sem que este o perceba.
Não que o ego, essa nossa consciência em estado de vigília que nós temos, deveria ser muito importante em si. Há uma infinidade de respostas debaixo do limiar da consciência, além dos limites do ego. Mas o ser humano se torna mais fechado quando o ego bloqueia o inconsciente, e a forma mais comum de fazer isso é dando valor demais à algo que se considera verdadeiro, em detrimento de tudo o que mais que entra em conflito com essa pressuposta “verdade”. É uma forma das pessoas se tornarem estéreis, reduzindo cada vez mais suas possibilidades de realização, tornando-se insatisfeitas.
A insatisfação muitas vezes é acompanhada pela raiva. Quando contemplamos a raiva em nós mesmos, frequentemente a rejeitamos e também rejeitamos a nós mesmos por considerarmos esta reação instintiva como um sinal de imperfeição, de desequilíbrio. No entanto, o equilíbrio não é a ausência de opostos, e sim a harmonia entre opostos. O equilíbrio pressupõe em ser capaz de vivenciar plenamente toda a gama de capacidades humanas, de forma que estas se complementem. Nenhuma emoção ou atitude é completa em si mesma. É na pluralidade que a perfeição é possível. Entretanto a sociedade teima em valorizar algumas qualidades em detrimento de outras (que, muitas vezes, nem sequer considera como qualidades), tornando algumas virtuosas e outras tornando-as defeitos, ou vícios. Equilibrar-se não é se posicionar em um ou outro lado, e sim centrar-se. Esse “centrar-se” também não é viver o vazio de não viver coisa alguma, e sim explorar a riqueza de ser tudo aquilo que se pode ser.
Para alguns, a definição de autoridade sobre a própria vida soa estranha. Estamos acostumados a sermos responsáveis porém, em diversas situações da vida, esta responsabilidade não é acompanhada de autoridade equivalente. Ou seja, precisamos responder pelos nossos atos mas não temos liberdade para decidir que atos são esses. A causa disso é que existem diferenças de status, alheias a nós, que com o tempo passamos a considerar quase como que naturais, mas não são naturais. É o poder, por exemplo, da religião quando impõe regras e não garante a satisfação das necessidades individuais. Mas, é claro, isso não diz respeito à religião apenas, mas a todo tipo de instituição que procura coibir a ação das pessoas sem procurar satisfazê-las verdadeiramente. E hoje em dia são muitas instituições que assumem esta postura. O problema é que toda essa ação institucionalizada percebeu que é mais fácil controlar a ação das pessoas quando as pessoas se deixam controlar não só nas suas atitudes, na sua forma de agir, mas também na sua forma de pensar. Assim, para muitos, as instituições são indiscutíveis, como que portando o direito divino e natural de serem o que são, tornando-se parte destes indivíduos, infiltrando-se dentro deles, tornando-se uma falsa imagem, o superego agredindo o ego, distorcendo-o, sem que este o perceba.
Não que o ego, essa nossa consciência em estado de vigília que nós temos, deveria ser muito importante em si. Há uma infinidade de respostas debaixo do limiar da consciência, além dos limites do ego. Mas o ser humano se torna mais fechado quando o ego bloqueia o inconsciente, e a forma mais comum de fazer isso é dando valor demais à algo que se considera verdadeiro, em detrimento de tudo o que mais que entra em conflito com essa pressuposta “verdade”. É uma forma das pessoas se tornarem estéreis, reduzindo cada vez mais suas possibilidades de realização, tornando-se insatisfeitas.
A insatisfação muitas vezes é acompanhada pela raiva. Quando contemplamos a raiva em nós mesmos, frequentemente a rejeitamos e também rejeitamos a nós mesmos por considerarmos esta reação instintiva como um sinal de imperfeição, de desequilíbrio. No entanto, o equilíbrio não é a ausência de opostos, e sim a harmonia entre opostos. O equilíbrio pressupõe em ser capaz de vivenciar plenamente toda a gama de capacidades humanas, de forma que estas se complementem. Nenhuma emoção ou atitude é completa em si mesma. É na pluralidade que a perfeição é possível. Entretanto a sociedade teima em valorizar algumas qualidades em detrimento de outras (que, muitas vezes, nem sequer considera como qualidades), tornando algumas virtuosas e outras tornando-as defeitos, ou vícios. Equilibrar-se não é se posicionar em um ou outro lado, e sim centrar-se. Esse “centrar-se” também não é viver o vazio de não viver coisa alguma, e sim explorar a riqueza de ser tudo aquilo que se pode ser.
sábado, 8 de setembro de 2012
A Linha Tênue entre o Bem e o Mal
Uma
das questões mais comuns a respeito de se causar transformações na
realidade se refere a como optar conscientemente pelo bem ou pelo mal. A
explicação mais simples para esta questão, e excessivamente óbvia, é que uma ação benígna
causa o bem, e uma ação malígna causa o mal. Porém, apesar desta ser
uma definição simples, quando a observamos em detalhes, encontramos
diversos pontos questionáveis. Isso porquê frequentemente vivemos
situações em que impera a competição, onde o sucesso de um implica no
fracasso de outro, de forma que, se por um lado é realizado um bem para
alguém, por outro se realiza um mal para outra pessoa.
O bem puro, fora de condições competitivas, em muitas situações práticas, parece estar relacionado às situações de abnegação, as quais não são o interesse exclusivo da maioria das pessoas, pois praticamente todos desejam realizar algo para si mesmos. A primeira noção que surge é de que existe uma contradição intrínseca entre o bem do indivíduo e o bem coletivo. Se focalizarmos no bem do indivíduo, a coletividade se prejudica. Por outro lado, se focalizarmos apenas no bem coletivo, a individualidade se prejudica. Assim, temos um paradoxo e, se pretendemos nos sentir bem com nossas consciências, precisamos descobrir formas de transcendê-lo.
É claro que podemos optar por não agir intencionalmente, uma vez que não sabemos como lidar com esse paradoxo mas, dessa forma, apenas deixamos de agir conscientemente para agir inconscientemente, sem pensarmos nas consequências do que criamos. Agir assim é saber que se pode causar o mal e sedar a consciência para que as decisões se tornem mais fáceis. Porém isto não nos isenta de nossa responsabilidade, de termos de responder por nossos atos.
A partir de agora, os posts deste blog serão menores: mais reflexivos, menos conclusivos. Resolvi fazer desta forma porque as pessoas precisam de tempo para pensar, para relembrar suas experiências e para experimentarem. Não tenho interesse em escrever palavras finais e indiscutíveis, mesmo porquê o que estou expondo não é final, nem muito menos indiscutível. O melhor mesmo é que seja um diálogo. O único ponto neste diálogo que torno obrigatório é que as pessoas se identifiquem. Não acho justa a expressão protegida pelo anonimato. Afinal, se mostro minha cara também considero justo o mesmo tratamento,não é?
O bem puro, fora de condições competitivas, em muitas situações práticas, parece estar relacionado às situações de abnegação, as quais não são o interesse exclusivo da maioria das pessoas, pois praticamente todos desejam realizar algo para si mesmos. A primeira noção que surge é de que existe uma contradição intrínseca entre o bem do indivíduo e o bem coletivo. Se focalizarmos no bem do indivíduo, a coletividade se prejudica. Por outro lado, se focalizarmos apenas no bem coletivo, a individualidade se prejudica. Assim, temos um paradoxo e, se pretendemos nos sentir bem com nossas consciências, precisamos descobrir formas de transcendê-lo.
É claro que podemos optar por não agir intencionalmente, uma vez que não sabemos como lidar com esse paradoxo mas, dessa forma, apenas deixamos de agir conscientemente para agir inconscientemente, sem pensarmos nas consequências do que criamos. Agir assim é saber que se pode causar o mal e sedar a consciência para que as decisões se tornem mais fáceis. Porém isto não nos isenta de nossa responsabilidade, de termos de responder por nossos atos.
A partir de agora, os posts deste blog serão menores: mais reflexivos, menos conclusivos. Resolvi fazer desta forma porque as pessoas precisam de tempo para pensar, para relembrar suas experiências e para experimentarem. Não tenho interesse em escrever palavras finais e indiscutíveis, mesmo porquê o que estou expondo não é final, nem muito menos indiscutível. O melhor mesmo é que seja um diálogo. O único ponto neste diálogo que torno obrigatório é que as pessoas se identifiquem. Não acho justa a expressão protegida pelo anonimato. Afinal, se mostro minha cara também considero justo o mesmo tratamento,não é?
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