domingo, 16 de março de 2014

O Diabo e os Folhetos de Missa

No post anterior (Uma Conversa com o “Diabo”), eu comecei a narrar um sonho onde o “Diabo” havia se apresentado a mim (com ressalvas em relação a este nome mas, enfim, era um sonho). A minha narração tinha prosseguido até o momento em que eu e o Diabo havíamos entrado em um elevador e estávamos nos deslocando junto com o mesmo. Prossigo agora com o sonho.

De repente, então, nos materializamos dentro de uma igreja. Ela estava aberta e o ambiente era escuro, da maneira característica de muitos destes templos. Não havia missa naquele momento, porém diante de nós estavam posicionados alguns folhetos que as pessoas costumam utilizar para acompanhar as celebrações e assim poderem participar quando solicitadas.

O Diabo tomou em suas mãos um destes folhetos e mostrou-me. Prosseguiu dizendo:
- Há mais de cem anos eu comecei a mudar a igreja Católica. Lamento não ter conseguido começar antes.

Na sequência, iríamos então nos materializar em um novo local.

***

É certo que o sonho não acaba neste ponto (ainda há mais uma parte) mas pretendo comentar, com alguma profundidade, esta breve passagem descrita aqui. Interpretando-o à luz de minha percepção atual, vêm à minha mente a ocorrência de símbolos e contextos considerados sagrados por muitas pessoas mas que parecem mais familiares do que se supõe que deveriam ser a Lúcifer (é a forma que prefiro chamá-lo, ao invés de “Diabo” como sugere o sonho).

Observe estas afirmações atribuídas ao próprio Jesus:

Não se perturbe o vosso coração! Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu vos teria dito, pois vou preparar-vos um lugar, e quando eu me for e vos tiver preparado um lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também.
E para onde vou, conheceis o caminho". Tomé lhe diz: "Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?" Diz-lhe Jesus: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim. Se me conheceis, também conhecereis a meu Pai. Desde agora o conheceis e o vistes".
Filipe lhe diz: "Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!" Diz-lhe Jesus: "Há tanto tempo estou convosco e tu não me conheces, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como podes dizer: 'Mostra-nos o Pai!'? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza suas obras. Crede-me: eu estou no Pai e o Pai em mim. Crede-o, ao menos, por causa dessas obras.
(João 14, 1-11, Bíblia de Jerusalém)

De acordo com esse trecho, Jesus se coloca como o caminho, a verdade e a vida. Ele também se identifica plenamente com o Pai. Ele está no Pai e o Pai está nele. Muitos utilizam desta argumentação para justificar que não existe nenhum outro meio de salvação a não ser por Jesus Cristo e, portanto, pelo cristianismo. Daí que tudo o que é alheio ao cristianismo, é considerado o caminho para a danação, ao invés da salvação.

Quando essa exclusividade (no que diz respeito à salvação) é questionada, a resposta é: “Como podes dizer: 'Mostra-nos o Pai!'? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim?”, sendo negada a resposta a este questionamento. A repreensão conclui da seguinte forma: “As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza suas obras. Crede-me: eu estou no Pai e o Pai em mim. Crede-o, ao menos, por causa dessas obras”.

Não me considero capaz de afirmar se Jesus de fato proferiu estas palavras que lhe foram atribuídas, mas sei que são um argumento perigoso em uma época em que nenhum de nós viu estas obras de fato e, portanto, não podemos atestá-las. O que nos é pedido neste trecho bíblico é que acreditemos em algo que nega tudo o mais sem um bom motivo para fazê-lo. Este “tudo o mais” que é negado representa justamente aquele que muitos chamam de Satanás, ou Lúcifer (embora Lúcifer e Satanás sejam palavras com significados distintos), ou o “Diabo”.

E é aí que entra o papel deste personagem controverso. Ele é diretamente negado pelo suposto sagrado, e daí que é até lógico imaginar um interesse dele nesse sentido. A questão é: que armas ele poderia utilizar? Uma possibilidade é utilizar-se da lógica, da ciência, da filosofia, dos conceitos do esoterismo e do ocultismo, das mais diversas religiões de origem pagã e, enfim, de tudo que não tem laços de dependência em relação ao cristianismo. Mas utilizar-se de toda essa gama de consciência para quê? Simples: para questionar o que, segundo a bíblia, é inquestionável. Questionar é o mesmo que acusar. A palavra Satanás, na verdade, significa exatamente isso: acusador.

Por exemplo, quando culturas inteiras foram expostas ao homicídio em massa (sob requintes de tortura), culminando até mesmo com a morte nas fogueiras, quem era o acusador? Satanás. Aliás, a igreja católica até hoje não se retratou por estes atos de crueldade e violência (embora não tenha sido a única responsável). A humanidade, em geral, não tem memória de atos tão antigos.

Já a palavra Lúcifer tem um sentido bem mais complexo. No mito era um anjo cuja função era conduzir a Luz (Lux Ferre, onde Lux é luz e Ferre é conduzir). Porém, ao invés de desejar ser meramente o condutor, ele pretendeu ser a luz. Ser a luz, de uma forma bem simplista, pode significar também ser consciente (o que envolve toda a gama da consciência que há, e não apenas uma pequena parte, a qual nega a validade do tudo o que lhe é diferente). No entanto, não se trata apenas disso. Ser a luz também significa reconhecer que a divindade está em si mesmo pois ela está em tudo. A divindade é tudo.

Aliás, a palavra Diabo também tem um significado. Ela vem de Diabolos, que é o oposto de Símbolo. O Símbolo dá significado a algo. Já Diabolo, diz respeito a destruir esse significado. De certa forma, também é verdadeira.

O que teriam os folhetos de missa a ver com tudo isso? Há um século não existiam os folhetos de missa pois eram em latim. O conteúdo destes era cifrado para a grande maioria das pessoas, e isto os tornava virtualmente inquestionáveis. A tradução da bíblia católica em diversas línguas (que aconteceu no século passado), bem como a criação dos tais folhetos, trouxe os conteúdos da religião às mentes das pessoas que assim puderam começar a questioná-los.

No próximo post eu vou concluir a narração do sonho e sua interpretação.

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