Se
há um primeiro princípio, que considero básico, é o de que cada um deve
ser livre para ser o que deseja ser. Isso mesmo, mas observe que,
quando eu digo “ser” é um limite pessoal, afinal “Eu sou” não é o mesmo
que “Eu tenho” ou “Eu faço”. É simplesmente “Eu sou”. É o domínio de si
mesmo, das próprias ideias, desejos e sentimentos. Esse deveria ser um
domínio inviolável, sobre o qual a coletividade não tem precedência pois
o que uma pessoa pensa, ou deixa de pensar, diz respeito somente a si
mesma. É claro que nas etapas iniciais da vida, enquanto somos crianças
dependentes, é útil uma certa orientação na forma de se pensar, sendo
esta válida quando se tem o objetivo de se estabelecer condições seguras
enquanto se desenvolve a maturidade. No entanto, estas condições devem
ser removidas gradualmente, para que se possa exercer cada vez mais
autoridade e responsabilidade sobre a própria vida.
Para
alguns, a definição de autoridade sobre a própria vida soa estranha.
Estamos acostumados a sermos responsáveis porém, em diversas situações
da vida, esta responsabilidade não é acompanhada de autoridade
equivalente. Ou seja, precisamos responder pelos nossos atos mas não
temos liberdade para decidir que atos são esses. A causa disso é que
existem diferenças de status, alheias a nós, que com o tempo passamos a
considerar quase como que naturais, mas não são naturais. É o poder, por
exemplo, da religião quando impõe regras e não garante a satisfação das
necessidades individuais. Mas, é claro, isso não diz respeito à
religião apenas, mas a todo tipo de instituição que procura coibir a
ação das pessoas sem procurar satisfazê-las verdadeiramente. E hoje em
dia são muitas instituições que assumem esta postura. O problema é que
toda essa ação institucionalizada percebeu que é mais fácil controlar a
ação das pessoas quando as pessoas se deixam controlar não só nas suas
atitudes, na sua forma de agir, mas também na sua forma de pensar.
Assim, para muitos, as instituições são indiscutíveis, como que portando
o direito divino e natural de serem o que são, tornando-se parte destes
indivíduos, infiltrando-se dentro deles, tornando-se uma falsa imagem, o
superego agredindo o ego, distorcendo-o, sem que este o perceba.
Não
que o ego, essa nossa consciência em estado de vigília que nós temos,
deveria ser muito importante em si. Há uma infinidade de respostas
debaixo do limiar da consciência, além dos limites do ego. Mas o ser
humano se torna mais fechado quando o ego bloqueia o inconsciente, e a
forma mais comum de fazer isso é dando valor demais à algo que se
considera verdadeiro, em detrimento de tudo o que mais que entra em
conflito com essa pressuposta “verdade”. É uma forma das pessoas se
tornarem estéreis, reduzindo cada vez mais suas possibilidades de
realização, tornando-se insatisfeitas.
A
insatisfação muitas vezes é acompanhada pela raiva. Quando contemplamos
a raiva em nós mesmos, frequentemente a rejeitamos e também rejeitamos a
nós mesmos por considerarmos esta reação instintiva como um sinal de
imperfeição, de desequilíbrio. No entanto, o equilíbrio não é a ausência
de opostos, e sim a harmonia entre opostos. O equilíbrio pressupõe em
ser capaz de vivenciar plenamente toda a gama de capacidades humanas, de
forma que estas se complementem. Nenhuma emoção ou atitude é completa
em si mesma. É na pluralidade que a perfeição é possível. Entretanto a
sociedade teima em valorizar algumas qualidades em detrimento de outras
(que, muitas vezes, nem sequer considera como qualidades), tornando
algumas virtuosas e outras tornando-as defeitos, ou vícios.
Equilibrar-se não é se posicionar em um ou outro lado, e sim centrar-se.
Esse “centrar-se” também não é viver o vazio de não viver coisa alguma,
e sim explorar a riqueza de ser tudo aquilo que se pode ser.
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