domingo, 16 de setembro de 2012

Libertando a Si Mesmo

Se há um primeiro princípio, que considero básico, é o de que cada um deve ser livre para ser o que deseja ser. Isso mesmo, mas observe que, quando eu digo “ser” é um limite pessoal, afinal “Eu sou” não é o mesmo que “Eu tenho” ou “Eu faço”. É simplesmente “Eu sou”. É o domínio de si mesmo, das próprias ideias, desejos e sentimentos. Esse deveria ser um domínio inviolável, sobre o qual a coletividade não tem precedência pois o que uma pessoa pensa, ou deixa de pensar, diz respeito somente a si mesma. É claro que nas etapas iniciais da vida, enquanto somos crianças dependentes, é útil uma certa orientação na forma de se pensar, sendo esta válida quando se tem o objetivo de se estabelecer condições seguras enquanto se desenvolve a maturidade. No entanto, estas condições devem ser removidas gradualmente, para que se possa exercer cada vez mais autoridade e responsabilidade sobre a própria vida.

Para alguns, a definição de autoridade sobre a própria vida soa estranha. Estamos acostumados a sermos responsáveis porém, em diversas situações da vida, esta responsabilidade não é acompanhada de autoridade equivalente. Ou seja, precisamos responder pelos nossos atos mas não temos liberdade para decidir que atos são esses. A causa disso é que existem diferenças de status, alheias a nós, que com o tempo passamos a considerar quase como que naturais, mas não são naturais. É o poder, por exemplo, da religião quando impõe regras e não garante a satisfação das necessidades individuais. Mas, é claro, isso não diz respeito à religião apenas, mas a todo tipo de instituição que procura coibir a ação das pessoas sem procurar satisfazê-las verdadeiramente. E hoje em dia são muitas instituições que assumem esta postura. O problema é que toda essa ação institucionalizada percebeu que é mais fácil controlar a ação das pessoas quando as pessoas se deixam controlar não só nas suas atitudes, na sua forma de agir, mas também na sua forma de pensar. Assim, para muitos, as instituições são indiscutíveis, como que portando o direito divino e natural de serem o que são, tornando-se parte destes indivíduos, infiltrando-se dentro deles, tornando-se uma falsa imagem, o superego agredindo o ego, distorcendo-o, sem que este o perceba.

Não que o ego, essa nossa consciência em estado de vigília que nós temos, deveria ser muito importante em si. Há uma infinidade de respostas debaixo do limiar da consciência, além dos limites do ego. Mas o ser humano se torna mais fechado quando o ego bloqueia o inconsciente, e a forma mais comum de fazer isso é dando valor demais à algo que se considera verdadeiro, em detrimento de tudo o que mais que entra em conflito com essa pressuposta “verdade”. É uma forma das pessoas se tornarem estéreis, reduzindo cada vez mais suas possibilidades de realização, tornando-se insatisfeitas.

A insatisfação muitas vezes é acompanhada pela raiva. Quando contemplamos a raiva em nós mesmos, frequentemente a rejeitamos e também rejeitamos a nós mesmos por considerarmos esta reação instintiva como um sinal de imperfeição, de desequilíbrio. No entanto, o equilíbrio não é a ausência de opostos, e sim a harmonia entre opostos. O equilíbrio pressupõe em ser capaz de vivenciar plenamente toda a gama de capacidades humanas, de forma que estas se complementem. Nenhuma emoção ou atitude é completa em si mesma. É na pluralidade que a perfeição é possível. Entretanto a sociedade teima em valorizar algumas qualidades em detrimento de outras (que, muitas vezes, nem sequer considera como qualidades), tornando algumas virtuosas e outras tornando-as defeitos, ou vícios. Equilibrar-se não é se posicionar em um ou outro lado, e sim centrar-se. Esse “centrar-se” também não é viver o vazio de não viver coisa alguma, e sim explorar a riqueza de ser tudo aquilo que se pode ser.

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