terça-feira, 9 de outubro de 2012

Questionando a Definição de Deus

Hoje eu gostaria de fazer uma reflexão sobre a imagem que nós temos da divindade. Muitas pessoas, quando pensam no divino, trazem à mente aquela visão do Deus criador de todas as coisas, que fez a criação distinta de si, existindo, portanto, criador e criatura. É um Deus considerado omni-presente, omni-potente e omni-ciente. Omni significa “em todo lugar”. Então omni-presente o torna presente em todo lugar, omni-potente o torna potente em todo lugar, e omni-ciente o torna ciente de todo lugar. Assim definido, Deus é considerado a pura imagem da perfeição. É o criador perfeito. Já a criação, foi feita perfeita, mas se tornou imperfeita por causa do livre-arbítrio.

Porém, se pensarmos bem, há certos pontos que não se encaixam na visão comum sobre a divindade. Por exemplo, o criador perfeito faz a criatura, e a criatura falha. Isso é uma contradição. Imagine, por exemplo, a lógica do relojoeiro: o relojoeiro é o melhor relojoeiro e seus relógios não falham nunca. Nunca precisam de conserto. É por isso que ele é perfeito. Mas se os relógios do relojoeiro falhassem, isso indicaria que o relojoeiro não é tão bom assim. Nesse caso, ou o relojoeiro é perfeito e seus relógios são perfeitos, ou o relojoeiro não é perfeito e seus relógios também não o são. Ainda assim, esta é uma dedução simplória.

Existe o argumento de que a criação tem livre-arbítrio e que se desenvolve por suas próprias decisões. Nesse caso, algumas pessoas serão sempre más e irão para o inferno, algumas outras vão purgar até ficarem limpas, e outras terão, como destino, o paraíso. Isso parece lógico, mas ainda não é. Uma metáfora para explicar o porquê do livre-arbítrio (e do destino individual para o inferno, purgatório ou paraíso) não ser algo lógico é a descrição do próprio processo criativo. Quando você cria alguma coisa, se você já sabe exatamente aquilo que você vai criar, você já o faz perfeito na primeira vez. Estava inteiro na sua mente, e você o fez como o imaginava, e esse seria o caso de um Deus capaz de saber o futuro e todas as coisas, antevendo cada possibilidade antes mesmo de acontecer. Nesse caso, ele faria tudo perfeito, em um único instante, sem a necessidade de um processo evolutivo doloroso que destina algumas almas para um inferno eterno, outras para uma área de provação e purificação, e outra para os já puros.

Um Deus potente em todos os lugares, já criaria tudo perfeito e nada lhe escaparia da consciência, não deixando escapar nenhum detalhe, por ser omni-ciente. Ele o faria de uma forma que não houvesse a memória de um tempo árduo e difícil. Se o processo evolutivo não se justifica nesta visão, ainda menos justificável é a ideia da existência do Mal. Afinal, se antes havia apenas Deus, e se Deus era capaz de prever tudo, porque teria sido criado o Mal? Uma possível resposta seria porque assim o ser humano poderia optar entre o Bem e o Mal, em um processo evolutivo.

Um processo evolutivo não faz sentido pelas razões expostas. Mesmo procurando referências bíblicas (que costumam ser associadas mais comumente, pelas pessoas em geral, à concepção de Deus) a resposta de que o Mal existiria para que o ser humano soubesse distinguir entre o bem e o mal não parece ter justificativa:

Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar. E Iahweh Deus deu ao homem este mandamento: "Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás que morrer.
Bíblia de Jerusalém (Gênesis, 2, 15-17).

Portanto, na própria Bíblia, não se justifica o argumento de que o Mal existe com a finalidade de que se possa discerni-lo (pois, de acordo com o texto, houve uma proibição expressa de que o homem comesse do fruto do conhecimento do bem e do mal). Então, porque teria sido criado o Mal?

Talvez a resposta mais simples para que seja tão difícil elucidar estas questões é porque nossos conceitos sobre a divindade estão incorretos. Estes questionamentos que foram expostos revelam a fragilidade de ideias que nos foram passadas, e às diversas gerações antes de nós. São conceitos que parecem verdadeiros mas não são. Quando nós percebemos essa fragilidade, isso nos lembra um pouco o filme Matrix:

Morfheus: -“Eu imagino que você esteja se sentindo meio Alice, na toca do coelho”.

Morfheus: - “Você acredita em destino, Neo?”
Neo: - Não.
Morfheus: - “Por que não?”
Neo: “Não gosto de pensar que não controlo minha vida.”

Morfheus: - “Você deseja saber o que ela é (Matrix)?”
Morfheus: – “A Matrix está em todo lugar a nossa volta. Mesmo agora, nesta sala. Você pode vê-la quando olhar pela janela… ou quando liga sua televisão. Você a sente quando vai para o trabalho… quando vai a igreja…quando paga seus impostos. É o mundo que foi colocado diante dos seus olhos…para que você não visse a verdade.”
Neo: - “Que verdade?”
Morfheus: - “Que você é um escravo. Como todo mundo, você nasceu num cativeiro… nasceu numa prisão que não consegue sentir ou tocar. Uma prisão… para sua mente.”
Morfheus: - “Infelizmente, é impossível dizer o que é Matrix. Você tem de ver por si mesmo. Esta é sua ultima chance. Depois não há como voltar. Se tomar a pílula azul…a historia acaba, e você acordará na sua cama acreditando no que quiser acreditar. Se tomar a pílula vermelha ficará no País das Maravilhas e eu te mostrarei até onde vai a toca do coelho. Lembre-se, tudo que ofereço é a verdade. Nada mais.”
Extraído do blog ThunderCash, no post “Pílula: Azul X Vermelha

Infelizmente, eu não sou capaz de afirmar, como Morpheus, que tudo que ofereço é verdade. Eu posso dizer que estou buscando a verdade. A realidade frequentemente não tem opções tão nítidas quanto a ficção.

Ressalto que o objetivo deste post não é criticar toda e qualquer concepção da divindade. O que expus aqui é, sim, uma crítica à imagem que se tem da divindade sem que a questionemos, sem que pensemos em suas incongruências. Isso não quer dizer que não existam outras imagens do divino, nem tampouco que uma visão evolutiva esteja errada. Cabe aqui uma reflexão sobre a natureza da divindade, principalmente se estas críticas lhe são doloridas. Eu vou explorar algumas ideias neste sentido em outros posts.

2 comentários:

  1. Muito bom, mesmo.
    Temos pontos de vista parecidos, quanto à divindade, e em como usar as metáforas da Matrix para explicar a 'realidade'.
    Prazer em conhecê-lo, espero apreender mais algumas incertezas por aqui.
    Até mais.

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    1. Olá Vinícius!

      É um prazer conhecê-lo também. Que bom que gostou do post. Na realidade meu objetivo é fazer com que as pessoas usem seus próprios neurônios.
      Exatamente como você disse, eu quero criar algumas incertezas para ajudar a derrubar algumas "certezas" com raízes frágeis. Muito mais do que dar respostas prontas, eu desejo que as pessoas criem as próprias perguntas e que tentem achar as respostas.

      Obrigado pelo seu comentário :)

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