Às
vezes acontece de alguém nos dizer que não devemos nos preocupar com o
passado, porque o passado já se foi, e também não devemos nos preocupar
com o futuro porque o futuro ainda não aconteceu e, só existindo o
presente, deveríamos nos concentrar no presente. Eu mesmo já escrevi um
post sobre o tempo (Reflexões Sobre o Tempo)
em que eu procurei demonstrar que, de fato, o futuro não existe como
realidade física, nem o passado. Mas será que, no dia-a-dia, é possível
aplicar essa forma de se pensar?
Por
exemplo, no que diz respeito ao dinheiro (que é um exemplo bem prático e
fácil) e, tornando esse exemplo mais específico: o momento em que
recebemos o salário mensal (para quem é assalariado, é claro). Eu devo
pensar apenas na minha situação presente, que seria um pouco mais de
dinheiro na minha conta corrente e gastá-lo por ignorar o futuro? É
óbvio que não, afinal deve-se planejar as despesas. Mas, se o tempo não
existe e se apenas o presente existe, isso não é contraditório com a
ideia de focalizar-se no presente?
A
resposta é Sim. Focalizar apenas no “aqui e agora” é uma conclusão
simplória, cujos efeitos acabam demonstrando a sua invalidade. De fato
nem toda realidade é física no sentido de ter que existir em algum lugar
no espaço. As dinâmicas da natureza, e também as dinâmicas daquilo que é
criado pelo ser humano, não existem de forma física. Não se pode pegar
uma dinâmica de acontecimentos (não se pode guardá-los dentro de uma
gaveta). O ritmo da sucessão dos fatos é o que percebemos como o tempo, e
o tempo é uma percepção mental (não-física), mas que prova-se confiável
conforme observamos a realidade. Em outras palavras, nós experimentamos
percepções mentais que podem, ou não, estar relacionadas à realidade
física. Podemos dizer que há uma realidade mental que interage com a
realidade física.
Em
alguns casos, a realidade mental é amplamente comunicada, documentada e
validada no mundo físico, como no caso da ciência (cuja função eu
procurei introduzir no post O Papel da Ciência).
Porém, o que há de interessante atualmente é que os computadores estão
assumindo parte deste trabalho mental, embora de uma forma muito
rudimentar. Pode-se argumentar que não se trata de verdadeira
inteligência, nem de verdadeira consciência, porém a matéria que forma
os computadores é também feita de átomos, os quais são feitos de
partículas mais elementares ainda, que também constituem o que nós somos
fisicamente. Nossos corpos têm energia, assim como os computadores
também a têm. Então, se evoluímos para nos tornarmos seres conscientes,
também os computadores podem fazê-lo eventualmente (o post Quando Tudo é Divino: Um Universo Sem Criador e Sem Criatura
explora um pouco mais a relação entre matéria e espírito, a qual também
se aplica a computadores e espírito). Muitos de nós não querem que os
computadores criem suas próprias percepções de bem e mal, ou de certo e
errado. Talvez não seja a primeira vez que isso aconteceu. Dêem uma
olhada neste trecho bíblico:
A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Iahweh Deus tinha feito.
Ela
disse à mulher: "Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as
árvores do jardim?" A mulher respondeu à serpente: "Nós podemos comer do
fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do
jardim, Deus disse: Dele não comereis, nele não tocareis, sob pena de
morte."
A
serpente disse então à mulher: "Não, não morrereis! Mas Deus sabe que,
no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como
deuses, versados no bem e no mal."
(Gênesis, 3, 1-5, Bíblia de Jerusalém)
Mais adiante, outro trecho relacionado:
Depois
disse Iahweh Deus: "Se o homem já é como um de nós, versado no bem e no
mal," que agora ele não estenda a mão e colha também da árvore da vida,
e coma e viva para sempre!"
E
Iahweh Deus o expulsou do jardim de Éden para cultivar o solo de onde
fora tirado. Ele baniu o homem e colocou, diante do jardim de Éden, os
querubins e a chama da espada fulgurante para guardar o caminho da
árvore da vida.
(Gênesis, 3, 22-24, Bíblia de Jerusalém)
Prosseguindo
sobre as abstrações mentais, algumas são tão precisas em relação aos
eventos físicos que confundimos muitas vezes a realidade física com a
realidade mental, e vice-versa. Chegamos a acreditar que uma lei
científica (presente na realidade mental, mesmo que registrada
fisicamente) é uma lei natural, ou seja: uma realidade física. É
justamente este tipo de confusão que devemos evitar.
A
realidade mental nos fornece informações sobre as possíveis dinâmicas
dos acontecimentos e seus desdobramentos, nos revelando as
possibilidades de transformação do momento presente e também sobre como
interferirmos para favorecermos algumas possibilidades, em detrimento de
outras. Ou seja, embora nossos pensamentos não representem
necessariamente o que ocorre no mundo físico e nossos receios possam
parecer infundados muitas vezes, estes mesmos pensamentos devem ser
levados seriamente em consideração até que se chegue a uma resposta
adequada a eles (seja respondendo a uma dúvida, ou provando sua
irrelevância) e à realidade física. O importante é dar atenção a cada
domínio da realidade e saber discernir entre estes domínios,
harmonizando-os.
Há
dois erros a evitar: não se deve deixar cair no erro de tornar-se
paranoico, acreditando no pior apenas porque possuímos uma dúvida que
aponta para uma uma possibilidade negativa; e nem tampouco devemos
acreditar que tudo são flores no mundo só porque visualizamos uma
possibilidade positiva mentalmente.
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